« A culpa é toda tua ! » : Crise da Venezuela para totós
É óbvio que o motivo da crise se chama « Petróleo », o chamado « Ouro Negro ». A Venezuela possui uma das maiores reservas de petróleo mundiais, bem como uma das maiores reservas planetárias de minério aurífero. O subsolo contém ainda outros recursos valiosos, como o denominado coltan – columbite/tantalite, minerais de onde se extraem o nióbio e o tântalo, tão em voga na fabricação dos nossos dispositivos electrónicos portáteis –, tório – potencial combustível nuclear, utlizado para fortalecer certas ligas metálicas e com inúmeras utilizações na indústria química –, bauxite – mezcla natural a partir da qual se extrai o alumínio –, minério de ferro, água doce, gás natural, diamantes…percebe-se assim o interesse e o apetite de alguns predadores.
Mas quais são as razões, para além das riquezas do subsolo, que levam a querer matar à fome e marterizar todo um Povo ?
Simplesmente, porque este Povo de combatentes, recusou sistematicamente desde 1998, ver a sua soberania espezinhada por um império às ordens dos grupos e empresas transnacionais. E este Povo teimoso, já resistiu várias vezes à vontade dos poderosos. As gentes da Venezuela, não só demonstraram que uma outra via é possível face ao neoliberalismo, mas deram também uma lição de resistência a outros Povos, por esse mundo fora. E é por tudo isto, que a Venezuela está duramente, a pagar esta afronta.
Vejamos agora a cronologia dos ataques financeiros, bancários e económicos que a Venezuela sofreu, nestes últimos anos. Não vamos incluír todas as componentes da guerra híbrida, organizada contra a Venezuela, nas frentes diplomática, militar, mediática, jurídica ou institucional. Desconfio, que nem o país mais desenvolvido do mundo, com os melhores governantes e peritos económicos, conseguiria sobreviver a um terço destes ataques :
14/04/2013 : Nicolás Maduro é eleito presidente da República Bolivariana da Venezuela, com 50,6% dos votos expressos nas urnas. O seu principal opositor, Henrique Capriles Radonski, não reconhece a derrota eleitoral e apela os seus apoiantes, a irem para as ruas, manifestar. Balanço : 11 chavistas mortos e 65 feridos.
12/02/2014 : A oposição tenta derrubar o presidente pela força. Balanço : 42 mortos e 850 feridos. Face ao fracasso do golpe de Estado e tendo em conta, as derrotas eleitorais, uma estratégia económica e financeira vai ser posta em prática, a fim de estrangular a população venezuelana e virá-la contra o governo Revolucionário Bolivariano.
18/12/2014 : O congresso dos Estados Unidos aprova a lei 113-278, intitulada « Lei pública de defesa dos direitos Humanos e da sociedade civil na Venezuela ». Este instrumento jurídico, dita a linha de acção política dos EUA e dos seus vassalos, contra a Venezuela. Esta lei estabelece a possibilidade de tomar medidas unilaterais coercitivas contra a Venezuela, nos domínios económicos, financeiros e comerciais. Para além disso, ela estipula que se deve « trabalhar » nesse sentido, junto com os seus parceiros e membros da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da União Europeia (UE).
08/03/2015 : O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, assina a Ordem executiva 13692 (o « decreto Obama »), que se baseia : na Lei dos Poderes Económicos em situação de Urgência Nacional ; na Lei de Urgência Nacional e ; na Lei 113-278, declarando a Venezuela como uma « ameaça extraordinária e fora do comum, relativamente à segurança nacional e à política externa dos EUA ». Este decreto vai permitir a elaboração legal dos ataques económicos que sofre desde então, a Venezuela.
Abril de 2016 : Começa o embargo financeiro. A partir desta data, são aplicadas restrições às instituições venezuelanas, titulares de contas bancárias no estrangeiro que pretendam efectuar pagamentos em dólares (nomeadamente para comprar medicamentos e outros bens de importação comuns, como por exemplo : alimentos).
Maio de 2016 : O banco alemão, Commerzbank, fecha as contas de várias instituições venezuelanas, incluindo as contas dos bancos públicos da Venezuela e da empresa pública petrolífera PDVSA – Petróleos de Venezuela S.A.
Julho de 2016 : O banco americano Citibank, proíbe à sua rede de intermediários bancários, de efectuar transações com instituições venezuelanas, incluindo o Banco Central da Venezuela.
Agosto de 2016 : O fecho unilateral das contas de intermediários bancários, obriga a Venezuela a efectuar transacções noutras moedas, sendo que a maior parte das receitas obtidas pela venda de petróleo é em dólares. O país sofre grandes perdas devido aos novos custos das transações, das taxas de câmbio e outros custos operacionais.
Agosto de 2016 (bis) : O Novo Banco (Portugal) informa o Estado venezuelano, que não realizará mais nenhuma transação em dólares com bancos ou instituições venezuelanas, devido à pressão exercida pelos seus intermediários bancários.
Julho de 2017 : A empresa Delaware (que gere os portfólios de títulos da PDVSA) informa a PDVSA que o seu banco intermediário (PNC Bank) não aceitará mais fundos, provenientes da empresa petrolífera.
Julho de 2017 (bis) : O banco americano Citibank, rejeita um pagamento do Estado venezuelano destinado à compra de 300 mil doses de insulina.
21/08/2017 : O Banco Da China, sediado no Panamá, informa a Venezuela, que no seguimento de pressões do Departamento do Tesouro dos EUA, bem como do governo do Panamá, ele não poderá realisar mais nenhuma transação em dólares, a partir da Venezuela ou para a Venezuela.
22/08/2017 : Vários bancos russos, informam a Venezuela da impossibilidade de realizar transações com os bancos venezuelanos, devido à restrição imposta pelos bancos intermediários dos Estados Unidos e de vários países europeus.
23/08/2017 : O banco intermediário BDC Shandong bloqueia uma transação da China para a Venezuela, no valor de 200 milhões de dólares. Será necessário mais de um mês, para que a Venezuela possa recuperar esta soma pecuniária.
24/08/2017 : Donald Trump assina a Ordem Executiva 13808, intitulada « Imposição de sanções adicionais a propósito da situação na Venezuela ». Este decreto proíbe toda uma série de transações com o Estado venezuelano e sobretudo com a PDVSA e qualquer outra entidade pública da Venezuela. É assim estabelecida uma lista de restrições a operações financeiras :
-O Estado venezuelano e a PDVSA estão proíbidos de emitir novos títulos de dívida.
-Interdição de efectuar transações de títulos, emitidos pelo governo antes da entrada em vigor do decreto.
-É proíbido o pagamento de dividendos ou de lucros ao governo da Venezuela, pela parte de entidades residentes nos EUA. Isto afecta sobretudo a Citgo, empresa subsidiária da PDVSA e que conta com 3 refinarias e 6 mil estações de serviço no território dos EUA.
-É proíbida a compra de certos títulos do Tesouro e de dívida venezuelana.
A « Casa Branca » declara que este conjunto de proibições foi « cuidadosamente pensado para negar à ditadura de Maduro, uma fonte não negligenciável de financiamento ».
O decreto 13808, visa a sistematização de ataques contra empresas públicas e operações comerciais e financeiras do Estado venezuelano, com o objectivo de destruír a economia do país. Relativamente a este assunto, o embaixador americano na Venezuela, William Brownfield declarou : « A nossa melhor resolução é precipitar o colapso do governo, mesmo que isso implique meses e anos de sofrimento para os Venezuelanos ».
Agosto de 2017 : No seguimento de pressões do Departamento do Tesouro americano, a empresa Euroclear, uma filial do banco americano JP Morgan, congela as operações de transação sobre a dívida soberana da Venezuela. A Euroclear retém assim, desde esta altura, 1,2 mil milhões de dólares, pertença da República Bolivariana da Venezuela.
Agosto de 2017 (bis) : O Banco Da China (filial de Frankfürt), recusa a emissão de uma transação no valor de 15 milhões de dólares devidos pela Venezuela à empresa mineira Gold Reserve.
05/09/2017 : O Canadá e os EUA associam-se para « adoptar medidas económicas contra a Venezuela e contra pessoas que contribuem activamente à situação actual do país ».
Outubro de 2017 : O Deutsche Bank informa o banco chinês CITIC Bank, do fecho de contas nos seus intermediários bancários, por terem aceite pagamentos da PDVSA.
Outubro de 2017 (bis) : A Venezuela compra vacinas e medicamentos à Organização Pan-Americana de Saúde, uma filial da Organização Mundial de Saúde e portanto sob a égide da ONU.
Em virtude da extra-territorialidade das leis norte-americanas, o banco suiço UBS, rejeitará o pagamento, provocando um atraso de 4 meses na entrega das vacinas, desorganizando amplamente, o sistema público de vacinação gratuíto do Ministério da Saúde venezuelano.
03/11/2017 : O presidente Maduro, anuncia que a Venezuela reembolsou mais de 74 mil milhões de dólares aos seus credores nos últimos 4 anos. Apesar disto, as agências financeiras, degradam a notação ligada ao risco de incumprimento da Venezuela, tornando-lhe assim mais difícil, a obtenção de crédito no mercado de capitais.
09/11/2017 : Os Estados Unidos sancionam um grupo de funcionários venezuelanos, evocando um « espezinhar da democracia e de administrar programas governamentais corrompidos de distribuição de alimentos ». Os funcionários responsáveis pela importação de alimentos no país, ficam impedidos de assinar acordos comerciais, que favoreçam a política alimentar do governo.
13/11/2017 : A UE proíbe a venda de material de defesa e de segurança interior à Venezuela.
14/11/2017 : A agência de notação Standard and Poor’s declara o « incumprimento parcial » da Venezuela, apesar dos pagamentos regulares de dívida, por parte da Venezuela.
15/11/2017 : O Deutsch Bank, principal intermediário do Banco Central da Venezuela, fecha definitivamente as contas desta instituição, colocando em perigo todas as suas operações bancárias.
Novembro 2017 : A Venezuela compra medicamentos anti-malária (primaquina e cloriquina) ao laboratório colombiano BSN Medical. O governo da Colômbia impede a entrega dos medicamentos, sem nenhuma justificação.
Novembro de 2017 (bis) : Os grupos farmacêuticos transnacionais Baxter, Abbott e Pfizer, recusam emitir certificados de exportação, com destino à Venezuela, tornando impossível a compra de medicamentos produzidos por estas empresas, nomeadamente de natureza oncológica.
Novembro de 2017 (ter) : Os bancos intermediários recusam várias transações da Venezuela, no valor de 39 milhões de dólares. Esta soma destinava-se a 23 operações de compra alimentar para as celebrações de Natal e fim de ano.
29/01/2018 : O Departamento do Tesouro americano afirma que « A campanha de pressão contra a Venezuela começa a dar frutos. As sanções financeiras que impusemos, obrigaram o governo deste país a entrar em imcumprimento de pagamento, relativamente à sua dívida soberana, bem como da dívida da PDVSA. Podemos assim assistir (…) a um colapso económico total da Venezuela. Ou seja, a nossa política funciona e a nossa estratégia fuciona, devemos por isso continuá-la ».
12/02/2018 : O Departamento do Tesouro americano, alarga as sanções financeiras contra a Venezuela. É proíbido renegociar e restruturar a dívida venezuelana, bem como a dívida da PDVSA emitida antes de 25 de Agosto de 2017.
Março de 2018 : 15 pugilistas venezuelanos são impedidos de participar nas competições de qualificação para os Jogos da América Central e das Caraíbas de 2018, devido à falta de acordo com a agência de viagens, emissora dos bilhetes de avião, pois quando a empresa descobriu que se tratava do transporte da Federação Venezuelana de Pugilismo, os preços das passagens aéreas passaram de 300 dólares para 2 100 dólares por pessoa.
Posteriormente, uma companhia privada, propôs um voo charter para transportar a equipa, no entanto, a Colômbia, o Panamá e o México, não autorizaram a aeronave, a sobrevoar o seu espaço aéreo.
02/03/2018 : Os Estados Unidos renovam por mais um ano, os decretos 13692 (Obama) e 13808 (Trump). O decreto 13808 impõe seis novas medidas coercitivas, tendo como objectivo, atacar a estabilidade financeira da Venezuela. O Gabinete de Crimes Financeiros dos Estados Unidos (FinCEN) alerta as instituições financeiras mundiais, que as transações com entidades públicas venezuelanas são suspeitas de corrupção. Esta acusação sem fundamento nem provas, tem como consequência a travagem do pagamento às empresas alimentares e aos laboratórios farmacêuticos, tornando difícil a importação de bens essenciais. Isto resultará no congelamento de 1,65 mil milhões de dólares, pertença do Estado venezuelano.
19/03/2018 : O presidente Trump assina a ordem executiva 13827, que proíbe todos os cidadãos e instituições, de efectuar transacções financeiras com a criptomoeda venezuelana « Petro », mesmo antes dela dar entrada nos mercados de criptomoedas. Esta decisão é a primeira do género a ocorrer, na curta história das criptomoedas.
27/03/2018 : O governo do Panamá publica uma lista de 16 empresas venezuelanas, suspeitas sem provas, de branqueamento de capitais e de finaciamento do terrorismo.
19/04/2018 : Steve Mnuchin, o Secretário do Tesouro dos Estados Unidos, reúne-se com representantes da Alemanha, Argentina, Brasil, Canadá, Colômbia, Espanha, França, Guatemala, Itália, Japão, México, Panamá, Paraguai, Perú e Reino Unido, com a finalidade de lhes pedir « acções concretas, de forma a restringir, a capacidade dos funcionários venezuelanos corrompidos e das suas redes de apoio ». Ele afirmará que o presidente Nicolás Maduro não tem legitimidade para pedir financiamento, em nome do seu país. A drenagem financeira da Venezuela, representa assim o único objectivo destas propostas.
Maio de 2018 : São congelados 9 milhões de dólares ao Estado venezuelano, destinados aos tratamentos de diálise, como consequência, 20 mil pacientes serão privados de tratamento.
Maio de 2018 (bis) : O banco italiano Intensa Sanpaolo bloqueia o dinheiro destinado à construção do pavilhão da Venezuela na XVIª Bienal de Arquitectura de Veneza.
21/05/2018 : Devido à reeleição de Nicolás Maduro para a presidência, Donald Trump reforça as sanções. De agora em diante, todos os cidadãos e empresas americanas, estão proíbidos de adquirir propriedades pertencentes ao governo da Venezuela, no território dos EUA.
25/06/2018 : O Conselho Europeu adopta a decisão 2018/901, sancionando os membros da administração venezuelana, incluindo os que operam no sector da alimentação. Esta medida faz eco, àquela que foi tomada um ano mais cedo pelos EUA (9 de Novembro de 2017), tendo como finalidade, impossibilitar a compra de alimentos pelo governo venezuelano.
01/11/2018 : O presidente Trump assina um novo decreto, autorizando o Departamento do Tesouro a confiscar as propriedades dos operadores do sector mineiro aurífero da Venezuela, sem que acusações penais ou civis sejam necessárias. O objectivo almejado, é o de impedir a recuperação, por parte do Estado da Venezuela, da bacia mineira de Orinoco, uma das maiores reserva mundiais de minério aurífero. O Secretário-adjunto do tesouro americano, Marshall Billingslea, mergulhado num cinismo absoluto, declarará a propósito deste assunto : « Deveríamos manifestar mais indignação, face aos danos infligidos ao ambiente e às populações indígenas ».
09/11/2018 : O Banco Central do Reino Unido, recusa a restituição de 14 toneladas de ouro, pertencentes à Venezuela, o que constitui uma espoliação de 550 milhões de dólares.
Tradução: Paulo Correia